A Frequência Revolucionária: Nipsey Hussle, Sul de Los Angeles e o Nascimento do Meu Filho

“Veja, tem alguns n*gs a cada geração
Que não era pra terem escapado, mas decifraram a matrix.
E quando falam, é como uma linguagem codificada —
Lembram os n*gs da sua força e de toda a grandeza roubada.”
— Nipsey Hussle, Loaded Bases

Na época em que Nipsey Hussle foi assassinado, eu estava em Los Angeles — aguardando o nascimento do meu primeiro filho.

Leimert Park, Sul de LA — o espírito da Maratona vive nas ruas. (Artista: Keenan Chapman)

Minha esposa estava a poucos dias de dar à luz ao nosso filho, e eu estava atravessando uma das transições mais poderosas na vida de um homem: assumindo a paternidade. Mas essa fase não chegou de forma tranquila. Veio com fogo.

Eu também estava trabalhando para apoiar uma companheira do Brasil que estava em sério perigo. A polícia acabara de realizar uma investigação que revelou que ela estava sendo vigiada pelos principais suspeitos (posteriormente condenados) do assassinato de Marielle Franco. Estávamos nos organizando para tirá-la de lá em segurança.

Esse era o estado mental em que eu estava — alerta, protetor, revolucionário.

E então a notícia foi divulgada:
Nipsey havia sido baleado.

Eu liguei o rádio, e a Power 106 já estava no ar. Eles estavam falando sobre isso. A energia nas vozes deles dizia tudo.

A cidade inteira parecia ter parado. Havia algo elétrico, algo carregado — como se o próprio ar estivesse transmitindo um sinal. Eu senti isso no meu corpo. E eu sabia — eu precisava estar em Crenshaw e Slauson.

No dia seguinte, 1º de abril, eu segui para o local.


O Zero da Maratona

Crenshaw e Slauson, 1º de abril de 2019, o dia após a morte de Nipsey. (foto: CBS LA)

Eu estava dirigindo para o leste na Slauson quando a movimentação começou. O tráfego estava pesado — os carros se moviam devagar, as pessoas já estavam nas ruas, a pé.

Fiz uma curva à direita na Deane, depois encontrei um lugar em algum ponto da 59ª Rua e estacionei. De lá, eu caminhei.

À medida que me aproximava de Crenshaw e Slauson, a energia se intensificava. As ruas estavam cheias — carros estacionados em segunda fila, pessoas por toda parte, paradas, se movendo devagar. A voz do Nip já estava ecoando nos alto-falantes próximos à loja da Marathon, reverberando nas paredes da praça.

Helicópteros pairavam acima. Câmeras no céu. Velas alinhadas na calçada. O ar estava pesado, mas não estava parado. Estava alto. Vivo. Carregado.

Checc Me Out estava tocando em repetição: “Nigga, foda-se, eu vim do nada Tiros no público, andando de ônibus Comprando Benz, estava comprando baldes Me derrubem do meu foco, é isso que eles não faziam.”

Isso não era apenas barulho de fundo. Era a música tocando quando eu cheguei. Era o que estava tocando — em loop, alto o suficiente para que toda a rua sentisse. E parecia certo. Como se capturasse o peso do momento.

Acendi um cigarro e dei uma longa tragada, parado no meio de tudo. A fumaça se enrolava no ar, misturando-se com a nuvem de Backwood que já pairava sobre a esquina. Velas piscavam baixas contra o concreto. A cor azul — azul Crenshaw, azul 60s — estava por toda parte. Rostos tatuados com histórias. Lágrimas. Escritos. Algumas cabeças abaixadas. Outras erguidas. A cena inteira estava vibrando com algo maior do que a dor.

"A Maratona Continua" - Viela na Crenshaw e Slauson


Um Funeral e um Nascimento

Alguns dias depois, eu estava no hospital com minha esposa. Ela estava agendada para dar à luz ao nosso primeiro filho.

Durante toda aquela semana, a música de Nipsey estava em rotação. Não apenas em nossa casa, mas por toda a cidade. Sua voz estava no ar, e carregava algo mais do que ritmo. Carregava intenção.

No dia 9 de abril, nosso filho nasceu.

Ainda estávamos na sala de recuperação do hospital quando o funeral de Nipsey aconteceu, no dia 12 de abril. Embora uma parte de mim quisesse estar lá com as pessoas no Staples Center, eu sabia que estava exatamente onde precisava estar—sustentando espaço para a nova vida, enquanto a cidade homenageava um rei caído.

Paternidade ativada. Meu filho nasceu nos dias entre a morte de Nipsey e o memorial.

Nós nomeamos nosso filho Yala Ermias.

Yala, do Kikongo—significando reinar, e em alguns dialetos, brilhar.

Ermias—nome de nascimento de Nipsey—“Deus Vai Ressurgir.”

Ele entrou no mundo em um momento carregado de significado. Seu nome não era apenas um rótulo—era uma marca no tempo. Um portal. Um reflexo de um alinhamento espiritual entre partida e chegada. Queríamos que ele carregasse esse momento consigo para sempre.

Não apenas Los Angeles.
Não apenas nós.
Mas legado.
Soberania.
Brilhantismo
.

Um Sentimento de Pertencimento

Vindo da Austrália, eu estava acostumado com a sensação de ser visível, mas não ser visto. Mas em South LA—durante aquela era—era diferente. Fui recebido de uma forma que nunca tinha experimentado antes.

Foi como fui acolhido nas ruas. O tempo que passei no Leimert Park com a comunidade. Os aperos de mão. Os daps. O contato visual. A maneira como homens e mulheres negras se referiam a mim como “irmão”—e isso parecia real.

Sempre havia música no ar—saxofones, tambores, alguém tocando vinil, alguém rimando no microfone. Você podia sentir o ritmo no peito, no passo. Não era só o som. Era a alma. E isso me lembrava que eu estava em um lugar onde eu pertencia.

Ritmo diário. Daps. Acenos. Verdade compartilhada no tempo da comunidade.

Os mais velhos me cumprimentavam com um aceno e um “Como você está, Jovem Rei?” Depois, começavam a construir—falando sobre o estado do mundo, como os negros podem se levantar, como você pode elevar sua saúde, sua mentalidade, sua consciência.
Compartilhando sabedoria sem pretensão—como se estivessem passando algo que sabiam que você precisaria.

Sempre que eu estava na comunidade com meus amigos, havia sempre encorajamento. Uma palavra gentil. Uma saudação. Os mais velhos falavam sobre a vida, destacando o fato de que eu estava presente, ativo, me mostrando como pai. Isso importava.

Encontrei meu ritmo ali.
Meu conforto.
Tornei-me pai ali.

Durante todo aquele tempo, a cidade vibrava com a presença de Nipsey. De Crenshaw a Obama, West Adams, MLK Blvd, Baldwin Hills Crenshaw Mall, Leimert—ele estava em todos os lugares. Nas barbearias que eu frequentava. Nos murais. Nos alto-falantes dos carros.

Meu filho, mais tarde, iria para a escola perto da Slauson Ave. Eu passava frequentemente por Crenshaw e Slauson—deixando-o na escola, pegando-o.
Cada vez, eu prestava minhas homenagens.
Às vezes, um momento de silêncio.
Às vezes, uma oração.
Às vezes, tocando uma das entrevistas de Nip no carro.

Isso se tornou parte do nosso ritmo.
Um lembrete para:

  • Ficar focado.

  • Continuar na sua jornada.

  • Construir.

  • Terminar o que você começa.

Raízes. Poder. Perspectiva.


A Frequência da Maratona

Carregamos esse espírito para dentro da pandemia.

Começou com rituais na praia—encontros toda lua nova e cheia com um grupo de irmãos. Esse era o nosso espaço sagrado. Nós orávamos, meditávamos, falávamos afirmações ao vento. Fumávamos. Freestyle. Construíamos. Afiamávamos.


Luas cheias. Luas novas. Treinamento para a maratona. Alinhamento espiritual.

Nós nos testamos fisicamente. Realizamos cyphers no estacionamento. A cannabis fazia parte disso—ritual, não recreação. A voz de Nip permaneceu conosco. Suas palavras continuavam surgindo quando precisávamos delas.

A partir desses encontros, decidimos correr a Maratona de LA. Literalmente.

Mas até isso era apenas a superfície.

Por baixo, estávamos correndo uma corrida mais longa. Como novos pais. Como homens carregando visão. Como construtores—estávamos correndo uma maratona espiritual.

E estávamos fazendo as verdadeiras perguntas:

  • Como quebramos as correntes intergeracionais?

  • Como protegemos?

  • Como lideramos?

Não deixamos o mundo nos abalar. Ficamos firmes em nosso lugar. E nos lembramos uns aos outros de quem somos.

As Barras que Carregavam Peso

Há uma linha de Loaded Bases:

"See, there’s a couple ni**as every generation
That wasn’t supposed to make it out, but decode the matrix…”

Quando ouvi isso, tocou fundo. Porque eu não estava apenas assistindo à história—eu estava no meio dela.

Eu estava liderando uma das campanhas anti-racismo mais significativas no esporte australiano. Uma batalha pública contra o racismo sistêmico na AFL e no Collingwood Football Club. Era nacional. Era histórica. E eu estava lidando com todo o processo—virtualmente, de LA.

Houve um momento que eu nunca vou esquecer.

Alguns advogados e executivos tentaram reestruturar nossa troca, invocando o sofrimento de seu próprio povo—posicionando isso como o parâmetro final para a dor. Como se essa lente fosse universal. Como se a luta do meu povo fosse, de alguma forma, inferior à deles.

A filosofia estava em todos os lugares—nas paredes, camisetas, bancos.

Mas eu estava em um espaço diferente. Eu era pai. Enraizado na comunidade. E de onde eu estava, o mundo deles parecia pequeno.
Arrogante.
Audacioso.

Eles não me intimidaram. Eu reconhecia a dinâmica—como eles viam o mundo, e onde acreditavam estar nele. Mas eu não estava olhando para cima para eles. Eu não estava buscando validação.

Eu estava em uma frequência diferente—uma que eles não conseguiam captar. Aquela linha de Loaded Bases tocava na minha cabeça como uma base:

“Got the sharks that I’m sittin’ at this table with afraid to bait me…”

E foi exatamente isso que senti.
Eles viram isso em mim.
Que eu não os temia.
Que eu não os colocava acima de mim.
Que eu não era deles para moldar.


A Frequência de Fechamento

Este momento.
Esta música.

Este homem.
Isso não acabou com nada.
Isso transformou tudo.
Um novo ritmo. Uma nova frequência.
Uma na qual meu filho nasceu. E uma que ainda estou levando adiante.
A Maratona Continua.

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